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Fake news sem freio

Fake news sem freio

Não interessa se é verdade ou mentira; se corroborar com algum argumento que a pessoa defende, é passível de ser disseminado pelas redes sociais. Está aí o raciocínio padrão de indivíduos e empresas que ajudaram a tornar as fake news um problema

Não interessa se é verdade ou mentira; se corroborar com algum argumento que a pessoa defende, é passível de ser disseminado pelas redes sociais. Está aí o raciocínio padrão de indivíduos e empresas que ajudaram a tornar as fake news um problema mundial. Hoje, as notícias falsas já viajam com mais rapidez pelo mundo da internet do que as verdadeiras. Mais precisamente, as inverdades têm 70% mais chances de serem republicadas do que as verdades, revela um estudo recente realizado por três pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos, com base na análise do Twitter.

"As falsas informações se espalham significativamente mais rapidamente, profundamente e amplamente do que a verdade em todas as categorias de informação", apontam os pesquisadores Soroush Vosoughi, Deb Roy e Sinan Aral. Segundo eles, embora o estudo tenha sido feito no Twitter, as descobertas não são específicas dessa rede social e, portanto, podem se aplicar a outras plataformas de comunicação baseadas na internet, nas quais os usuários podem compartilhar notícias com outras pessoas, como o Facebook.

Dados do Gartner corroboram para esse cenário. De acordo com o instituto de pesquisa e consultoria em tecnologia, até 2022, a maioria das pessoas em economias maduras consumirá mais informações falsas do que verdadeiras. Mais do que isso, a perspectiva é que a criação dessa realidade falsa vai superar a capacidade da tecnologia de detectá-la, fomentando a desconfiança digital. Cada vez mais, vídeos, documentos ou sons surgem como representações convincentemente realistas de coisas que nunca ocorreram ou não existiram exatamente como são divulgados.

E são os humanos, e não os robôs (bots), os principais responsáveis pela fabricação de mentiras, distorções, exageros ou omissão de elementos que seriam importantes para o entendimento de determinado contexto. Notícias com essas características, ao entrarem em contato com as redes sociais, tomam proporções assustadoras. "A grande questão é que as pessoas não buscam saber se algo é verdadeiro ou falso. O compartilhamento desses conteúdos pode ser feito por mero descuido, mas, mesmo assim, tem potencial de causar grandes impactos", analisa André Gradvohl, professor da Faculdade de Tecnologia e Computação da Unicamp e membro do IEEE, maior organização mundial técnico-profissional dedicada a avanços tecnológicos para benefício da humanidade.

Desde 2016, devido ao resultado das eleições nos Estados Unidos (veículos de mídia internacionais revelaram que a escalada de Donald Trump rumo à presidência recebeu o reforço de grupos que faziam circular informações falsas para defender o candidato), a preocupação com esse tema aumentou. Mas isso não é algo recente. "A disseminação proposital de inverdades e de desinformação, apesar de ter adquirido muita velocidade na internet, não é um fenômeno novo", analisa Sergio Amadeu, um dos representantes da comunidade científica e tecnológica no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

A própria grande mídia, comenta ele, já cometeu e disseminou notícias inverídicas. A mais conhecida no Brasil é o caso da Escola Base, em 1994, em que os donos de um colégio de classe média alta de São Paulo e algumas outras pessoas foram acusados de abusar sexualmente de crianças. Todos foram massacrados pela mídia e, tempos depois, descobriu-se que eram inocentes. O mesmo já aconteceu no mundo. "Um caso internacional de fake news muito conhecido foi o argumento falso que se criou para motivar a invasão do Iraque, que era busca de armas químicas. Depois se confirmou que, de fato, foi uma decisão motivada pela Agência de Inteligência Norte-Americana", cita.

Mas o que explica essa ânsia pelo compartilhamento das fake news? Para os pesquisadores do MIT, isso acontece porque as notícias falsas, geralmente, são mais interessantes do que as verdadeiras. Elas possuem um tom de algo recente e, portanto, são mais propensas a ser compartilhadas. Sem falar na sensação que a pessoa que está disseminando tem de que ela é, pelo menos naquele momento, uma fonte para os outros de algum determinado assunto.

O professor do curso de Filosofia da Escola de Humanidades da Pucrs Agemir Bavaresco comenta que as opiniões expressas a partir dos desejos, afetos e razões são uma expressão das contradições que perpassam toda a sociedade. Elas revelam tanto os ideais de justiça e comportamento ético, como os que disseminam as falsas ideias e que são dominados pelas contingências da sociedade. "É uma tendência as pessoas defenderem seus interesses imediatos. Sempre convivemos com teorias verdadeiras e falsas, mas o mais grave agora é que essas opiniões falsas são produzidas sistematicamente por meios digitais para expressar opiniões e grupos de interesses", analisa.

Sinal de alerta para as eleições brasileiras

Uma pessoa disseminando fake news por meio de blogs de origem e reputação desconhecida e redes sociais para reforçar a sua ideologia própria sobre algum tema já é perigoso. Agora, experimente dar a isso um nuance profissional, com algoritmos desenvolvidos sob medida e grupos de pessoas recebendo dinheiro para produzir e compartilhar nas redes sociais conteúdos falsos, para defender ou acusar uma pessoa, como um político ou uma instituição.

Isso já é realidade. As pessoas chegam ao ponto de criar perfis falsos no Facebook, inventando nome, profissão e cidade de origem para, com isso, tornar tudo ainda mais real e parecer que estão expressando, de forma espontânea, as suas opiniões. Em ano de eleições, esses tema é ainda mais sensível para o Brasil. "Se as pessoas não tiverem filtro e poder de discernimento, será muito perigoso", alerta o membro da Comissão Especial em Segurança da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) Avelino Zorzo.

Aliás, a experiência norte-americana no combate às fake news no processo eleitoral foi compartilhada com o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições em palestra apresentada pelo Federal Bureau of Investigation (FBI). A exposição foi feita em março, em Brasília, por uma comitiva liderada pelo diretor da Divisão de Crimes Cibernéticos do FBI, Howard Marshall.

Durante o encontro, representantes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (EUA) falaram sobre o arcabouço legal utilizado para mitigar a ocorrência de crimes cibernéticos, especialmente a distribuição em larga escala de conteúdos maliciosos, como notícias falsas. "Os conhecimentos compartilhados irão auxiliar no trabalho do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições", afirmou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por meio da sua assessoria de imprensa.

No Brasil, a propagação de conteúdos sabidamente inverídicos nas campanhas eleitorais pode configurar infração passível de punição a candidatos, partidos e coligações. Se a Justiça Eleitoral, ao analisar determinado processo, entender nesse sentido, os responsáveis e beneficiários poderão ter seus registros de candidatura, diplomas ou mandatos cassados. Além disso, correm risco de ficar inelegíveis por oito anos.

A legislação eleitoral prevê também punição para aqueles que, aproveitando-se do anonimato proporcionado pelos meios virtuais, realizarem propaganda (positiva ou negativa) atribuindo a sua autoria a terceiros. Esse crime levará à aplicação de multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil. A mesma regra valerá para a coibição da utilização de robôs (bots) para a disseminação de conteúdos na rede de forma artificial. "Entendemos que notícias falsas são como faíscas que contribuem para inflamar ainda mais os embates políticos, aumentando, assim, a crise de desconfiança em nossos candidatos e representantes", afirma o TSE.

A entidade tem realizado iniciativas de caráter educativo, como uma campanha nacional alertando o eleitor para não ser vítima de notícias falsas, sabendo como identificá-las e não propagá-las. A instituição também pretende atuar nos casos que se fizerem necessários, após apuração pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público, determinando a retirada de propagandas enganosas de circulação.

A medida mais comentada, porém, foi a criação do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, uma força-tarefa integrada por representantes de agências de inteligência governamental e das Forças Armadas, de especialistas nacionais e internacionais, além de empresas de mídias sociais - tudo em parceira com a Polícia Federal e o Ministério Público.

O TSE faz questão de destacar que a essa força-tarefa "não tem como objetivo tolher a liberdade de expressão do eleitor e dos veículos de comunicação", e acrescenta que o combate à proliferação de notícias falsas na internet de forma coercitiva/punitiva não cabe à Justiça Eleitoral, mas sim à polícia e ao Ministério Público.

Porém nem todos concordam. Sergio Amadeu, um dos representantes da comunidade científica e tecnológica no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), diz que o fato de a Justiça Eleitoral ter criado um grupo com a presença de militares e Polícia Federal é preocupante. "Imagina um agente da PF vigiando a internet em busca de notícias falsas. O que ele vai considerar falso, quais os critérios? É muito temerário termos um espécie de 'Ministério da Verdade' nestas eleições do Brasil. Quem vai perder é a democracia", alerta.

Consequências na Escola Base seriam ainda mais graves na era das redes sociais

Imagine como seria a proporção do escândalo da Escola Base, de São Paulo, se tivesse ocorrido nos dias atuais, em tempos de internet e redes sociais, e não em 1994. Os envolvidos, dos acusados aos acusadores, devem ter calafrios só de pensar. Os proprietários da escola e outros prestadores de serviços foram acusados de abusarem sexualmente das crianças, algo que nunca foi provado.

Tudo surgiu a partir de relatos de duas mães e, então, a notícia se espalhou. Virou capa de jornais e revistas, e manchetes em noticiários televisivos. Alguns, inclusive, chegaram a publicar o nome dos supostos abusadores, endereço da escola e das suas residências. Coquetel Molotov foi jogado na escola, e alguns dos envolvidos tiveram suas casas depredadas e saqueadas. "Eles foram condenados pela mídia e pela sociedade antes de serem julgados", aponta o jornalista Emilio Coutinho, que, no ano passado, lançou o livro "Escola Base: Onde e como estão os protagonistas do maior crime da imprensa brasileira", pela editora Casa Flutuante.

No processo de produção da obra, ele procurou os acusados na época, e constatou que eles tiveram a vida devastada, com consequências financeiras e morais. Muitos nem quiseram relembrar do assunto. Um dos personagens se afundou em dívidas, pois, sempre que buscava um emprego e alguém colocava seu nome no Google, logo se assustava e vinha o preconceito. Outra não liga mais a TV. "Esse caso ainda assombra a vida de todos. As suas vidas foram marcadas por esse trauma", conta Coutinho.

Segundo ele, pensar na repercussão desse caso hoje em dia é exercitar o campo das hipóteses, mas, ao se analisar alguns casos atuais, de pessoas que estão sendo julgadas e condenadas nas redes sociais por crimes que nunca cometem, dá para se ter uma ideia. Naquela época, as notícias chegavam às pessoas no final do dia pela televisão, ou impressas do dia seguinte. Isso permitiu que os acusados prestassem depoimento e seguissem a orientação do advogado, de fugirem para evitar consequências mais graves. Hoje em dia é diferente. "Com a rapidez das redes sociais, a pessoa escreve um post acusando alguém, e isso passa a ter uma força impressionante e um risco imediato."

Automatização da checagem de veracidade das informações ainda é desafio a ser vencido

O cérebro ainda é o melhor detector de notícias falsas. A opinião é do professor da Faculdade de Tecnologia e Computação da Unicamp e membro do IEEE, André Gradvohl. Mas restam poucas dúvidas que, cada vez mais, vai se tornar realidade o uso de processos automatizados para tentar fazer essa detecção.

Uma tecnologia surge para apoiar esse processo, o blockchain, hoje ainda muito associado a garantir a segurança das transações das criptomoedas. "Se aplicarmos o conceito do encadeamento das fontes de notícias para verificar a procedência, podemos ter bons resultados. Mas as pesquisas nesse sentido estão apenas começando", adianta.

O que dificulta a ideia da verificação automatizada, explica, é que muitas das fake news têm pitadas de verdade. "Estamos caminhando, mas ainda longe de um modelo definitivo, pois a linguagem é cheia de nuances, difíceis de serem detectadas por robô ou software", aponta.

O representante da comunidade científica e tecnológica no CGI.br, Sergio Amadeu, acha muito arriscado se criar um algoritmo para definir o que é verdade ou não na rede social. Ele cita um caso de fake news recente, o da vereadora Marielle Franco, que, depois de ter sido morta a tiros, foi caluniada, tendo seu nome associado ao tráfico de drogas. Muitas pessoas, inclusive políticos, compartilharam essa falsa notícia. "Nenhum algoritmo conseguiria detectar isso, porque o trabalho de checagem é difícil e requer uma reputação que não se limita à rede", explica.

Um dos caminhos para tentar conter essa onda das fake news é a aposta no bom e velho jornalismo. "São muitas as informações mentirosas circulando hoje em dia e querendo influenciar a opinião pública. A imprensa e até a sociedade civil são os atores que podem confirmar se algo ocorreu ou não, após uma checagem apurada e com objetividade", defende.

A Inteligência Artificial é outra tecnologia no centro dessa discussão. Um projeto que surgiu no Brasil é o Fátima, um robô para o Messenger que orientará as pessoas sobre como trafegar no universo de informações na internet. A iniciativa é da startup Aos Fatos, plataforma brasileira dedicada ao Fact-Checking (checagem de dados), em parceria com o Facebook. Em uma primeira etapa, o chatbot vai conversar com as pessoas pela plataforma para ajudá-las na verificação da veracidade de conteúdos on-line. Com isso, dará dicas de como é possível separar notícia de opinião, de como encontrar dados confiáveis para diversos temas e como saber se uma fonte é confiável ou não.

O Facebook está preocupado com esse tema e, no início do ano, anunciou o apoio também ao projeto batizado de Vaza, Falsiane!, um curso on-line gratuito contra notícias falsas voltado ao público em geral, especialmente adolescentes, jovens adultos e educadores. A iniciativa tem a parceira com os professores Ivan Paganotti (MidiAto ECA-USP), Leonardo Sakamoto (PUC-SP) e Rodrigo Ratier (Faculdade Cásper Líbero).

Outra iniciativa no Brasil para combater as fake news é a do hoje empresário Daniel Nascimento, que está criando o portal Fake News Autentica para apurar notícias na internet para combater a divulgação de informações falsas. Ele foi considerado um dos maiores hackers do Brasil - entre os 11 e os 15 anos de idade, invadiu os servidores nacionais e estrangeiros, como os do governo, e atacou redes de telefonia, o que deixou a Região Nordeste sem internet durante uma semana. Em 2005, foi detido e preso pela Polícia Federal na Operação Ponto Com. Atualmente, aos 29 anos, atua como consultor de segurança digital, profissão na qual ajuda pessoas e empresas a protegerem-se de ataques informáticos.

O portal será formado por uma junta de jornalistas e analistas que investigam notícias divulgadas na internet e que validam a veracidade dessas informações, criando trending topics no portal. Junto à averiguação desse grupo, há ainda o trabalho dos bots, robôs que automatizam procedimentos computadorizados, espalhados na internet e nas redes sociais, que fazem a leitura e captam também essas informações.

"Esse projeto surgiu da percepção de que precisamos construir algo que instrua a população, e não que crie a censura", comenta. Ele já iniciou tratativas com algumas plataformas de redes sociais para trabalharem em conjunto. Ao ver uma notícia que considerar duvidosa, o usuário poderá colocar a hashtag #fakenewsautentica, e o robô responderá se é verdadeiro ou falso. "As pessoas cada vez se baseiam mais nas chamadas de capa, não se aprofundam na leitura e saem compartilhando. Precisamos criar um ambiente de colaboração para minimizar isso", relata.